Federação Anarquista Uruguaia (FAU)
A FAU pretende ser uma expressão política
dos interesses das classes dominadas, exploradas e oprimidas; e,
colocando-se a serviço delas, aspira ser um motor das lutas sociais. Um
motor que nem as substitui e nem as representa. Mas que pretende
dinamizá-las e organizá-las, contribuir para a superação do aspecto
meramente espontâneo, transcender os vaivens da conjuntura e assegurar a
continuidade das rebeldias, das lutas cotidianas, das expectativas,
aspirações, etc.
Para nós, a organização política é também
o âmbito em que se vai acumulando a experiência de luta popular, tanto
em nível nacional como internacional. Uma instância que impede que se
dilua o saber que os explorados e os oprimidos vão adquirindo com o
tempo.
ORGANIZAÇÃO POLÍTICA
A organização política atua ainda como
local de produção das análises conjunturais e das orientações
fundamentais pertinentes. Por isso, é a organização política a instância
adequada para assumir os distintos e complexos níveis de atividade, que
o trabalho revolucionário pode exigir, a única instância capaz de
assegurar o conjunto de recursos técnicos, materiais, políticos e
teóricos, etc. que são condição indispensável de uma estratégia de
ruptura.
Nossa visão da organização política é
contrária às distintas formas de “vanguardismo”, de “guardiões da
consciência”, enfim, de grupos auto-eleitos, que se sentem tocados pelo
dedo de Deus. A organização, mantendo e promovendo o espírito de
revolta, assume como próprias todas as exigências presentes e futuras de
um processo revolucionário. E a partir do trabalho militante
organizado, e somente a partir dele, que se pode promover coerentemente e
com força redobrada a criação, o fortalecimento e a consolidação das
organizações populares de base, que constituem os núcleos do poder
popular revolucionário. A organização política não é uma coisa acabada, e
está sujeita às influências diversas que vão exigindo adequações.
Também é uma instância especial de aprendizagem em relação às lutas
sociais com as quais se articula. E finalmente, no estrito âmbito da
ação política (e não desconhecemos a existência de outros, mas
reivindicamos o político como um âmbito separado) a FAU aspira ser a
ferramenta para tornar realidade nossos princípios libertários.
NÍVEL POLÍTICO E NÍVEL SOCIAL
O problema do poder, decisivo em uma
transformação social profunda, só pode ser resolvido a nível político,
através da luta política. E esta requer uma forma específica de
organização: a organização política revolucionária. Só através de sua
ação, enraizada nas massas, pode conseguir a destruição do aparato
estatal burguês e sua substituição por mecanismos de poder popular.
A atividade política não pode ser
reduzida à luta econômica, à prática sindical, ainda que esta possa
conter, como efetivamente contém, elementos “políticos”. (…) Mas esta
luta econômica não produz espontaneamente a luta contra o poder político
como tal. (…) Por isso, o espontaneísmo, as mobilizações espontâneas de
massas, reflexo de um acúmulo de problemas sem solução que logo
“estouram”, se não forem canalizados e instrumentalizados adequadamente,
dificilmente transcendem ao plano político em termos de modificar as
relações de poder.
A destruição do poder [burguês...] supõe a
criação de uma outra ordem social, a qual exige a adoção de um outro
“modelo” de organização (que implica uma ideologia) e, além disso, uma
inevitável luta que implica meios técnicos, que o movimento de massas,
por si, espontaneamente não pode desenvolver com êxito. Este é, em nossa
época, o ensino a extrair dos grandes movimentos espontâneos de massa.
Não é possível uma insurreição, nem um
processo de luta prolongada de costas ou distantes das massas. A
predisposição espontânea dessas, que é função da organização política
canalizar em termos de organização e desenvolver ideologicamente, tem
sempre um papel absolutamente principal. Não se pode realizar uma
revolução à margem ou apesar da gente. E menos construir um novo sistema
social sem a adesão inicial pelo menos de um setor bastante amplo do
povo.
LUTA POLÍTICA E IDEOLÓGICA
Daí a necessidade de uma atividade
ideológica de esclarecimento (e de dispor dos elementos necessários a
ela) que não é contraditória, mas complementar a outros níveis de luta
(econômico, militar, etc.). Por atividade ideológica não entendemos,
obviamente, a pregação intelectual, “educacionista”, que se remete mais
ou menos exclusivamente à difusão de “teoria” revolucionária, ainda que,
esclareçamos, esta também possui sua importância. Atividade ideológica é
algo mais que a mera difusão de conhecimentos teóricos. Os fatos, a
própria prática política, são ingredientes, elementos decisivos da
integração de um nível de consciência revolucionária.
Um resultado ideológico essencial
firma-se em demonstrar diante do povo uma perspectiva de vitória, um
caminho de esperança, de confiança na possibilidade de uma transformação
profunda, revolucionária. (…) E esta função “demonstrativa” (…) é
função de uma minoria politicamente organizada, com um nível ideológico,
de consciência que não pode ser gerada na prática espontânea das
massas. Um nível que supõe a superação do espontaneísmo.
* Texto composto com trechos da
“Carta de Princípios da FAU” e do artigo “La Organización Política es lo
Decisivo” em Juan Mechoso. Acción Directa Anarquista: una historia de
FAU. Montevideo: Recortes, s/d pp. 194-195.
* Tradução e seleção: Felipe Corrêa